Compras realizadas pela Internet no Exterior: há Proteção ao Consumidor Brasileiro?

Pode-se dizer que a expansão da internet revolucionou o comércio eletrônico. Nos anos 90, com a propagação de empresas no ramo da informática, o avanço tecnológico das redes de comunicação permitiu que o e-commerce ganhasse notoriedade mundial.

 

A globalização possibilitou o acesso democrático da população aos vários tipos de recursos eletrônicos, de modo que o e-commerce já representa uma significativa parte da economia mundial. O fato é que esse acesso gera conflito entre os países em função da soberania legislativa no que diz respeito à proteção do consumidor.

 

Em vista disso, e já tomando algumas providências, a Organização Mundial do Comércio (OMC) e os países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), reconheceram a necessidade de implementação de uma política geral com vistas à solução dessa problemática.

 

Além das maravilhas fornecidas pelo e-commerce internacional, há de se considerar alguns empecilhos, como o confronto entre as normas de proteção e as regras tradicionais do comércio internacional, ocasionando assim a insegurança do consumidor.

 

Por oportuno, questiona-se: quais as peculiaridades das compras realizadas via internet nos sites estrangeiros?

 

Quando se realiza esse tipo de transação, é sempre de suma importância que o consumidor se atente as orientações da Receita Federal, que estabeleceu um regime de tributação simplificada (RTS) para as compras realizadas pela internet em sites de empresas situadas no exterior.

 

Tais compras foram limitadas à U$ 3.000,00 (três mil dólares) e estão sujeitas a tributação de 60% (sessenta por cento) sobre o valor do produto descrito na fatura comercial. Medicamentos transportados pelo correio e destinados à pessoa física, além de livros, jornais e periódicos impressos em papel ficaram livres de tributação, por força da imunidade tributária, estabelecida na Constituição Federal. O mesmo ocorre nas compras cujo valor for inferior à U$ 50,00 (cinquenta dólares), desde que transportadas pelo serviço postal e que o remetente e destinatário sejam pessoas físicas.

 

Todavia, a grande questão gira em torno das dúvidas que podem surgir caso seja necessário acionar o judiciário, como por exemplo: quem possui a competência para processar e julgar a ação e qual é a legislação pertinente nesses casos?

 

Essas indagações surgem em virtude da relação de consumo estabelecida, já que quando se realiza uma transação internacional pela internet, tem-se que o fornecedor esteja situado em outro país, isto é, estamos diante de um direito estrangeiro, diferente do direto do consumidor brasileiro. Logo, se o consumidor estiver estabelecido no Brasil e o fornecedor tenha sede em outro país ou não tenha filiais ou representantes em território brasileiro, o consumidor poderá encontrar alguma dificuldade para ter seu direito resguardado.

 

O direito brasileiro possibilita, com base nos artigos 88 e 90 do Código de Processo Civil, que a ação seja proposta no Brasil ou perante um Tribunal estrangeiro. Neste mesmo sentido, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 100, inciso I, tratou de reforçar a competência dos tribunais nacionais caso seja necessário demandar um fornecedor estrangeiro.

 

Assim, resta entendido que cabe ao consumidor lesado a escolha do lugar onde proporá a ação. Todavia, outra questão pertinente é com relação à legislação a ser adotada.

 

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seu artigo 9º, §2º, ensina que a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente desta, isto é, torna-se aplicável a lei estrangeira, do país fornecedor do produto ou serviço.

 

Esse entendimento provém da precaução adotada para que não haja desestimulação do e-commerce, pois se os fornecedores tivessem que se atentar as leis de cada país, seria instalado o caos sobre o comércio eletrônico, tornando-o excessivamente oneroso.

 

Todavia, ainda considerando o disposto na Lei Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o seu artigo 17 prevê que as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

 

Por conseguinte, no intuito de proteger o consumidor brasileiro, face a sua hipossuficiência, o legislador optou por atribuir ao Código de Defesa do Consumidor a natureza de ordem pública, o que permite o afastamento da aplicabilidade da lei estrangeira e devida aplicação a legislação pátria.

 

Entretanto, há de se advertir que, muito embora seja o fornecedor estrangeiro condenado pela Justiça brasileira a indenizar um consumidor brasileiro, a garantia de sucesso dessa decisão somente será alcançada após observados os requisitos previstos na legislação estrangeira para sua internalização, o que comumente não é vantajoso ao consumidor brasileiro, pois além de dispendiosas, tais decisões, por vezes, carecem de efetividade.

 

O que de fato seria vantajoso e respeitaria o princípio da celeridade processual é a uniformização da legislação no que concerne ao comércio eletrônico internacional, de modo a agregar o maior número de países possível, evitando conflitos.

 

A Europa, através do direito comunitário, já possui algumas regulamentações, como a Diretiva 2000/31 ou Diretiva do Comércio Eletrônico, que dispõe sobre o comércio eletrônico interno.

 

O Brasil, desde 2000, trabalha ativamente nas negociações de uma proteção na Américas dos consumidores, tendo elaborado a proposta atualmente em discussão na OEA (Organização dos Estados Americanos, Washington) de Convenção Interamericana de Direito Internacional Privado sobre a proteção dos consumidores, CIDIP VII, uma convenção Interamericana de proteção do consumidor no comércio eletrônico e turismo de massas.

 

Diante deste cenário, o consumidor deve sempre se ater as informações prestadas no site, se é confiável e seguro a fim de se evitar transtornos futuros, já que ainda não há uma legislação unificada.

 

CAROLINE STIEHLER. Advogada no Murano Advogados. Pós-graduada em Direito Processual Civil pela PUC/SP e pós-graduada em Teoria do Estado, Relações Privadas e Processo pela Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso do Sul, especializada em Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande Norte/UFRN.